terça-feira, 29 de março de 2011

O Arminianismo É uma Teologia Centrada em Deus

O Arminianismo É uma Teologia Centrada em Deus







Roger E. Olson


Uma das críticas mais comuns ao Arminianismo por seus adversários é que ele é uma “teologia centrada no homem”. (Eu ocasionalmente usarei a expressão de gênero exclusivo porque ela é usada com bastante frequência pelos críticos do Arminianismo. Ela significa, é claro, “centrada na humanidade”). Um crítico reformado do Arminianismo que frequentemente levanta essa acusação é Michael Horton, professor de teologia no Seminário Teológico de Westminster (campus Escondido) e editor da revista Modern Reformation[1] (Reforma Moderna). Tenho tido longas conversas com Horton sobre o Arminianismo clássico e seus estereótipos e de outros críticos reformados, mas até agora ele ainda diz que o Arminianismo é “centrado no homem”. Quase todos os artigos da infame edição especial de maio/junho de 1992 da Modern Reformation[2] sobre o Arminianismo repete esta caricatura. Horton não é exceção. Em seu artigo “Evangelical Arminians” (Arminianos Evangélicos), onde ele diz que “um evangélico não pode ser arminiano mais do que um evangélico pode ser católico romano”,[3] o teólogo do Seminário de Westminster e editor da revista também chama o Arminianismo de “uma mensagem centrada no homem, de potencial humano e relativa impotência divina”.[4]

Horton dificilmente é o único crítico que tem feito esta acusação contra o Arminianismo. Vários autores de artigos da edição sobre o “Arminianismo” da Modern Reformation fazem a mesma coisa. Por exemplo, Kim Riddlebarger, seguindo B. B. Warfield, afirma que a liberdade humana é a premissa central do Arminianismo, o seu “primeiro princípio” que rege todo o resto.[5] Isto é simplesmente uma outra maneira de dizer que o Arminianismo é “centrado no homem”. O teólogo luterano Rick Ritchie faz a mesma acusação contra o Arminianismo na mesma edição da Modern Reformation.[6] Nessa edição o teólogo Alan Maben cita Charles Spurgeon quando diz que: “O Arminianismo [é] uma religião e heresia natural, de rejeição a Deus e auto-exaltação” e o homem é a figura principal em perspectiva.[7]


Outro teólogo evangélico que acusa o Arminianismo de ser centrado no homem é o falecido James Montgomery Boice, um dos meus professores de seminário. Em seu livro Whatever Happened to the Gospel of Grace?, o falecido pastor da Décima Igreja Presbiteriana da Filadélfia, escreveu que sob a influência do Arminianismo, o Cristianismo evangélico contemporâneo “está focado em nós mesmos e... apaixonado pelas suas próprias supostas capacidades espirituais”.[8] De acordo com ele, os arminianos não podem dar glória somente a Deus e devem reservar alguma glória para si mesmos, pois eles acreditam que a vontade humana desempenha um papel na salvação. Ele conclui, “Uma pessoa que pensa dessa forma não compreende a natureza absolutamente penetrante e completamente escravizante do pecado humano”.[9]


O teólogo reformado coreano Sung Wook Chung, educado em teologia no Seminário Teológico de Princeton, escreve que o Arminianismo “exalta o poder autônomo e a vontade soberana dos seres humanos ao negar a absoluta soberania de Deus e o seu livre-arbítrio. O Arminianismo também considera o homem como centro do universo e o propósito de todas as coisas”.[10] Al Mohler, presidente do Seminário Teológico Batista do Sul, escreve em The Coming Evangelical Crisis sobre o “foco centrado no homem da tradição arminiana”.[11] No mesmo volume, Gary Johnson chama o Arminianismo de “uma fé centrada no homem” e diz que “quando a Teologia se torna Antropologia, ela se torna simplesmente uma forma de mundanismo”.[12]


Talvez a forma mais sofisticada de dizer a mesma coisa é fornecida pelo estudioso da ortodoxia protestante Richard Mueller em seu volume sobre Armínio intitulado God, Creation and Providence in the Thought of Jacob Arminius. Mueller escreve que “O pensamento de Armínio evidencia... uma maior confiança na natureza e nos poderes naturais do homem... do que a teologia de seus contemporâneos reformados”.[13] Ele passa a acusar Armínio de confundir natureza e graça e de colocar a criação no centro da teologia, negligenciando a redenção. Ele escreve que Armínio tendia “a entender a criação como manifestando o propósito último de Deus”.[14] Uma leitura atenta da interpretação de Mueller da teologia de Armínio irá revelar que ele está acusando-a de ser antropocêntrica ou centrada no homem ao invés de centrada em Deus e focada na graça. Uma leitura atenta de Armínio, por outro lado, irá revelar quão equivocada é esta avaliação.


O que esses e outros críticos querem dizer quando acusam o Arminianismo de ser “centrado no homem” ou “centrado na humanidade”? E o que significaria para uma teologia ser centrada em Deus, como eles afirmam que a deles é? Especialmente no atual ressurgimento calvinista de cristãos “jovens, inquietos e reformados”, é importante esclarecer esses termos como frequentemente se ouve dizer, como se fosse um mantra, que teologias não-calvinistas são centradas no homem enquanto a teologia reformada é centrada em Deus. O seu principal guru, John Piper, frequentemente fala sobre o “Teocentrismo de Deus” e se refere a tudo na criação e redenção para a glória de Deus como o principal fim. Sua implicação, ocasionalmente afirmada, é que o Arminianismo não satisfaz esta visão elevada de Deus. Muito frequentemente sem qualquer consideração do que essas designações significam, os novos calvinistas de hoje as espalham como clichés e slogans.


Parece que quando os críticos do Arminianismo o acusam de ser centrado no homem eles querem dizer basicamente três coisas. A primeira é que o Arminianismo foca demais na bondade e capacidade humana, especialmente no campo da redenção. Ou seja, ele não leva suficientemente a sério a depravação da humanidade e estima demais a contribuição humana para a salvação. Outra maneira de dizer é que a teologia arminiana não dá a Deus toda a glória pela salvação. Em segundo lugar, eles querem dizer que o Arminianismo limita a Deus ao sugerir que a vontade de Deus pode ser frustrada pelas decisões e ações humanas. Em outras palavras, a soberania e o poder de Deus não são levados suficientemente a sério. Em terceiro lugar, eles querem dizer que o Arminianismo coloca demasiada ênfase na realização e felicidade humana em negligência ao propósito de Deus que é glorificar a si mesmo em todas as coisas. Outra maneira de expressar isto é que o Arminianismo supostamente tem uma noção sentimental de Deus e da humanidade na qual a principal finalidade de Deus é tornar as pessoas felizes e realizadas.


Certamente existe alguma verdade nessas críticas, mas elas erram o alvo quando apontadas para a teologia arminiana clássica. Infelizmente, muito raramente os críticos mencionam algum teólogo arminiano ou citam do próprio Armínio para apoiar essas acusações. Quando eles dizem “Arminianismo”, eles parecem querer dizer a religião popular, que em geral é, reconhecidamente, semipelagiana. Alguns, mais notavelmente Horton, aponta o revivalista do século dezenove, Charles Finney, como o culpado de rebaixar o Cristianismo americano a uma espiritualidade centrada no homem. Se Finney é um bom exemplo de um arminiano é altamente questionável. Concordo com Horton e outros que o Cristianismo bem popular nos Estados Unidos, incluindo muito do que se passa por “evangélico”, é centrado no homem. Discordo deles, no entanto, sobre o Arminianismo clássico, sobre o que eu suspeito que a maioria deles sabe muito pouco.


O que esses críticos reformados do Arminianismo considerariam como uma verdadeira teologia centrada em Deus? Em primeiro lugar, a depravação humana deve ser enfatizada tanto quanto possível, de forma que os homens não são capazes, mesmo com assistência divina sobrenatural, de cooperar com a graça de Deus na salvação. Em outras palavras, a graça deve ser irresistível. Outra maneira de dizer isso é que Deus deve sobrepujar os pecadores eleitos e compeli-los a aceitar a sua misericórdia, sem qualquer cooperação, até mesmo não-resistência, de sua parte. Esta é uma característica essencial do Calvinismo extremado, também conhecida como Calvinismo de cinco pontos. Segundo Boice e outros, a teologia somente é centrada em Deus se a decisão humana não desempenhar nenhum papel na salvação. A desvantagem disto, obviamente, é que a seleção de Deus de alguns para a salvação deve ser puramente arbitrária e Deus deve ser descrito como de fato querendo a condenação de uma parcela significativa da humanidade que ele poderia salvar, pois a salvação neste esquema é absolutamente incondicional. Em outras palavras, o Calvinismo pode ser centrado em Deus, mas o Deus que está no centro é moralmente ambíguo e indigno de adoração.


Em segundo lugar, aparentemente, para os críticos reformados do Arminianismo, a teologia centrada em Deus deve ver Deus como aquele que determina toda a realidade, e que inclusive ordena, projeta, governa e controla o pecado e o mal, que são então introduzidos no plano, propósito e vontade de Deus. A vontade perfeita de Deus sempre está sendo feita, mesmo quando paradoxalmente contemplá-la o faz sofrer (como John Piper gosta de afirmar). A única visão da soberania de Deus que irá satisfazer os críticos reformados do Arminianismo é a providência meticulosa na qual Deus planeja e torna tudo certo, até as mínimas decisões das criaturas, mas mais notavelmente a queda da humanidade e todas as suas consequências, incluindo o sofrimento eterno dos pecadores no inferno. O lado negativo disso, obviamente, é que o Deus que está no centro é, mais uma vez, moralmente ambíguo na melhor das hipóteses e um monstro na pior. O teólogo David Bentley Hart assim se expressa: Deve-se considerar o preço dessa centralidade em Deus:


Ela nos obriga a crer e amar um Deus cujos bons propósitos serão realizados não somente apesar de – mas inteiramente por meio de – cada crueldade, cada miséria fortuita, cada catástrofe, cada traição, cada pecado que o mundo já tenha conhecido; ela nos obriga a crer na eterna necessidade espiritual de uma criança morrer de uma morte agonizante de difteria, de uma jovem mãe devastada pelo câncer, de dezenas de milhares de asiáticos sendo engolidos em um instante pelo mar, de milhões assassinados em campos de extermínio, gulags[15] e pela fome provocada (e assim por diante). É uma coisa estranha, na verdade, buscar [uma teologia centrada em Deus]... à custa de um Deus que se torna moralmente repugnante.[16]


Terceiro, para satisfazer os críticos reformados do Arminianismo, a centralidade em Deus exige que os seres humanos sejam meros peões no grande plano de Deus para glorificar a si mesmo; sua felicidade e satisfação não podem ser mencionadas como tendo algum valor para Deus. Mas isso significa, então, que dificilmente se pode mencionar o amor de Deus por todas as pessoas. É preciso primeiramente afirmar, juntamente com John Piper e outros, que Deus ama as pessoas porque Ele ama a si mesmo e que Cristo morreu por Deus mais do que pelos pecadores. O lado negativo disso é que a Bíblia fala muito sobre o amor de Deus pelas pessoas – Jo 3.16 e numerosos versículos semelhantes – e explicitamente diz que Cristo morreu pelos pecadores (Rm 5.8). Apesar de não ser canônica, a afirmação do pai da igreja primitiva Irineu que “A glória de Deus é o homem completamente vivo” deve ser considerada como tendo alguma validade. Certamente é possível ter uma teologia centrada em Deus sem implicar que as pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus, e amadas por Deus de tal maneira que ele enviou seu Filho para morrer por eles, sejam de nenhum valor para Deus. Na verdade, alguns teólogos reformados como John Piper ironicamente violam o terceiro princípio da centralidade em Deus, como é exigido por alguns críticos do Arminianismo. Seu chamado “hedonismo cristão”[17] diz que a felicidade e a satisfação humana são importantes para a teologia mesmo que não sejam para Deus. Seu mantra é “Deus é mais glorificado em nós quando estamos mais satisfeitos nele”. Apesar dessa declaração e do seu hedonismo cristão, no geral e em toda parte Piper segue a linha calvinista típica de pensar que a felicidade e a realização humana devem ser de pouco ou nenhum valor em comparação com a glória de Deus. Outro aspecto negativo, além da ênfase da Bíblia sobre o amor e o cuidado de Deus pelas pessoas, está a imagem de Deus que ele oferece. Nesta teologia, o Deus que está no centro é o narcisista supremo, o maior egoísta que encontra glória em exibir o seu simples poder até mesmo a ponto de mandar milhões para o inferno só para manifestar o seu atributo da justiça.

O ponto de tudo isso é simplesmente este: Não adianta muito construir uma teologia centrada em Deus se o Deus que está no seu centro é pura e simplesmente poder, de caráter moral ambíguo. “Glória” é um termo ambíguo. Quando separado de virtude não é digno de devoção. Muitos dos monarcas da história foram “gloriosos” e ao mesmo tempo eram sanguinários e cruéis. A verdadeira glória, a melhor glória, a glória correta, digna de adoração, honra e devoção inclui necessariamente a bondade. Poder sem bondade não é verdadeiramente glorioso, mesmo se ele é chamado assim. O que faz alguém ou algo digno de veneração não é o simples poder, mas a bondade. Quem é mais digno de imitação e até veneração, Madre Teresa ou Adolf Hitler? Hitler conquistou a maior parte da Europa. Madre Tereza tinha pouco poder além do seu exemplo. E, no entanto, a maioria das pessoas diria que Madre Teresa era mais “gloriosa” do que Adolf Hitler. Deus é glorioso porque ele é tanto grande quanto bom e sua bondade, assim como sua grandeza, deve ter alguma ressonância com o nosso melhor e mais alto conceito de bondade ou então ela não faz sentido.


Tudo que deve ser dito é que os críticos do Arminianismo são aquelas pessoas do provérbio que atiram pedras na casa dos outros enquanto vivem em casas de vidro. Eles falam interminavelmente sobre a glória de Deus e sobre a centralidade em Deus enquanto sugam a bondade de Deus e dessa forma o despem de sua real glória. Sua teologia pode ser centrada em Deus, mas o Deus em seu centro é indigno de estar no centro. Melhor uma teologia centrada no homem do que uma teologia que gira em torno de um ser que dificilmente se distingue do diabo.


Apesar das objeções em contrário, irei argumentar que a teologia arminiana clássica é tão centrada em Deus quanto o Calvinismo, se não mais. O Deus no seu centro, cuja glória, ao contrário das afirmações dos críticos, é a finalidade ou propósito principal de tudo, não é moralmente ambíguo, o que é o ponto principal do Arminianismo. De alguma forma, a teologia arminiana foi estigmatizada com a má reputação de crer muito fortemente na liberdade humana. Isso nunca foi verdade. O Arminianismo real sempre acreditou na liberdade humana por uma razão principal: proteger a bondade de Deus e, dessa forma, a reputação de Deus em um mundo cheio de maldade. Existe apenas uma razão para a teologia arminiana clássica enfatizar o livre-arbítrio, mas ela tem dois lados. Primeiro, proteger e defender a bondade de Deus; em segundo lugar, tornar clara a responsabilidade humana pelo pecado e o mal. Ela não tem absolutamente nada a ver com algum desejo humanista de autonomia da criatura ou de crédito pela salvação. Nunca consistiu em vanglória, exceto na bondade do Deus que cria, governa e salva.


Por que será que Armínio rejeitava e por que será que os arminianos clássicos rejeitam o Calvinismo? Certamente não é porque ele é centrado em Deus. Como irei demonstrar, a própria teologia de Armínio era totalmente centrada em Deus em todos os sentidos. Armínio e seus seguidores rejeitaram o Calvinismo porque, como o próprio Armínio dizia, ele é “repugnante à natureza de Deus”.[18] Como assim? Segundo Armínio (e todos os arminianos clássicos concordam), o Calvinismo implica que “Deus realmente peca. Porque, (de acordo com essa doutrina,) Ele induz a pecar por um ato que é inevitável, e de acordo com seu próprio propósito e intenção primária, sem ter recebido qualquer indução anterior a tal ato de qualquer pecado ou demérito precedente no homem”. Além disso, “A partir da mesma posição, nós também podemos inferir que Deus é o único pecador. Pois o homem, que é impelido por uma força irresistível a cometer o pecado (isto é, a perpetrar algum ato que foi proibido), não se pode dizer que ele próprio peca”. Finalmente, “Como uma legítima consequência, também resulta que o pecado não é pecado, pois o que quer que seja que Deus faça, isso não pode ser pecado, nem deveria quaisquer de seus atos receber essa designação”.[19]


Qualquer um que tenha lido os sermões de John Wesley “Sobre a Graça Livre” e “A Predestinação Calmamente Considerada” sabe muito bem que ele rejeita o Calvinismo pela mesma razão dada por Armínio antes dele. No primeiro sermão ele descreveu a dupla predestinação (que ele corretamente argumentava que é necessariamente implicada pela eleição incondicional calvinista clássica) como “Que blasfêmia esta, como alguém pensaria que poderia fazer tinir os ouvidos de um cristão!”[20] Segundo ele, essa doutrina “destroi todos seus atributos [de Deus] de uma só vez” e “representa o mais santo Deus como pior do que o diabo, como mais falso, mais cruel, e mais injusto”.[21] No sermão “A Predestinação Calmamente Considerada”, Wesley rejeitava o Calvinismo por um único motivo: não porque ele negava o livre-arbítrio do homem, mas porque ele “destroi a justiça de Deus”. Ele pregava como se fosse para um calvinista: “você supõe que Ele [a saber, Deus] os envia [a saber, os réprobos] para o fogo eterno, por não escapar do pecado! Isto é, em termos simples, por não ter aquela graça que Deus decretou que eles nunca deveriam ter! Que estranha justiça! Que imagem você extrai do Juiz de toda a terra!”[22] Qualquer um que tenha lido os arminianos clássicos posteriores sabe que seu principal motivo para rejeitar o Calvinismo é o mesmo: ele impugna a bondade de Deus bem como mancha a sua reputação. Isso não tem nada a ver com a valorização do livre-arbítrio humano em si e por si, e eu desafio os críticos a demonstrarem o contrário.


Para explicar e defender a centralidade em Deus do Arminianismo, vamos começar com a primeira questão mencionada acima como uma razão que os críticos levantam para afirmar que a teologia arminiana é centrada no homem: a condição e a participação humana na salvação. A teologia arminiana clássica, definida pelo pensamento do próprio Arminio e pelos pensamentos de seus fiéis seguidores, sempre enfatizou a depravação humana tão fortemente quanto o Calvinismo, e ela sempre deu todo o crédito pela salvação unicamente a Deus. Qualquer um que tenha lido Armínio por si mesmo não pode contestar isso. O editor de The Works of James Arminius (Baker, 1996 – publicado originalmente na Inglaterra em 1828) diz corretamente que “qualquer arminiano moderno que confesse os sentimentos que o próprio Armínio tem mantido aqui, seria imediatamente chamado de calvinista”.[23] Nesse contexto Armínio escreveu sobre a condição humana “sob o domínio do pecado”: “Neste estado, o livre-arbítrio do homem em direção ao verdadeiro bem não está apenas ferido, mutilado, enfermo, inclinado e... enfraquecido; mas está também... aprisionado, destruído e perdido: E os seus poderes não estão apenas debilitados e inúteis a menos que seja assistido pela graça, mas ele não tem qualquer poder exceto quando excitado pela graça divina”.[24] Para que ninguém entenda mal, ele defende seu ponto dizendo do homem que no estado natural, devido à queda, ele está “completamente morto em pecado”.[25] Esse não é o único lugar em seus volumosos escritos onde Armínio descreve dessa forma a condição humana à parte da graça sobrenatural. Praticamente em cada ensaio, discurso e declaração ele abundantemente diz a mesma coisa! Não pode haver dúvida de que Armínio cria na depravação total tanto quanto os calvinistas.


E quanto ao livre-arbítrio? E quanto à contribuição humana para a salvação? Armínio não atribuiu algum bem à pessoa humana que levaria Deus a salvá-la? Deixarei que Armínio fale por si mesmo sobre este assunto também. Imediatamente após descrever a cura divina para a depravação humana, que é o que é comumente conhecida como “graça preveniente”, que desperta a pessoa morta no pecado para consciência da misericórdia de Deus, Armínio diz que até mesmo “o próprio início das coisas boas, da mesma forma o progresso, a continuidade e a confirmação, ou melhor ainda, a perseverança no bem, não são de nós mesmos, mas de Deus através do Espírito Santo”.[26] Esta não é uma citação isolada tomada fora de contexto. Em toda parte Armínio constantemente atribui todo o bem existente no homem a Deus como sua fonte e cada impulso e capacidade para o bem à graça. Não posso resistir em oferecer mais um exemplo. Em sua “Uma Carta Dirigida a Hipólito A Collibus” Armínio fala da graça e do livre arbítrio:


Confesso que a mente de... um homem natural e carnal é obscura e sombria, que suas afeições são corruptas e desordenadas, que sua vontade é teimosa e desobediente e que o próprio homem está morto em pecados. E eu adiciono a isto, que o professor que atribui tanto quanto possível à Graça Divina obtém a minha mais alta aprovação, desde que ele tanto defenda a causa da Graça como não inflija prejuízo à Justiça de Deus e não retire o livre-arbítrio para fazer o que é mau.[27]



O contexto desta declaração deixa claro que a preocupação de Armínio com o livre-arbítrio é evitar injúria à bondade de Deus, tornando-o o autor do pecado e do mal. Para ele, o livre-arbítrio humano é sempre a causa do pecado e do mal e Deus nunca é a sua causa, mesmo que indiretamente. (Embora, deve ser notado que em sua doutrina da providência, Armínio afirma que uma criatura não pode fazer nada sem a permissão de Deus e até mesmo a sua cooperação). Esta é a única razão pela qual ele afirma o livre-arbítrio.


E quanto aos arminianos posteriores, tais como os remonstrantes? Às vezes os críticos do Arminianismo alegam que o verdadeiro significado do Arminianismo deve ser encontrado na teologia dos remonstrantes, que foram os seguidores de Armínio após sua morte. Obviamente, isso é como dizer que o verdadeiro significado do Calvinismo deve ser encontrado na teologia dos escolásticos reformados depois de Calvino. A verdade é que tanto o “Arminianismo” quanto o “Calvinismo” deve ser definido tanto por seus homônimos quanto por seus seguidores mais fiéis. Eu afirmo que a teologia arminiana verdadeira e clássica sempre foi fiel e condizente com o pensamento de Armínio e vice-versa. Tenho demonstrado isso em Arminian Theology: Myths and Realities (InterVarsity Press, 1996).


A expressão normativa da teologia remonstrante pode ser encontrada na Confissão Arminiana de 1621, escrita por Simon Episcopius, fundador do Seminário Remonstante na Holanda. Em perfeita harmonia com Armínio, a Confissão afirma que a pessoa humana decaída é completamente incapaz de exercer a fé salvadora e que ela é totalmente dependente da graça para todo e qualquer bem. No artigo sobre a criação do mundo, os anjos e os homens, ela diz que “o que de bom [o homem] tem, ele deve tudo solidamente a Deus e... ele é obrigado... a prestar e consagrar o mesmo inteiramente a Ele”.[28] Quanto à condição humana, a Confissão diz a respeito da graça que “sem ela nós não poderíamos nem nos livrar do miserável jugo do pecado, nem fazer nada realmente bom em toda a religião, nem finalmente escapar da morte eterna ou de qualquer verdadeira punição do pecado. Muito menos poderíamos, a qualquer momento, obter a salvação eterna sem ela ou através de nós mesmos”.[29] Não há nada “centrado no homem” nesta Confissão. Os remonstrantes posteriores como Philip Limborch, que se encaixa na categoria de Alan Sell de “arminianos da cabeça” em oposição aos “arminianos do coração”,[30] desviaram-se para um semi-Pelagianismo centrado no homem. Porém, a maioria dos arminianos seguiu o caminho de Armínio, Episcopius, Wesley e os teólogos metodistas do século 19, como Richard Watson, que afirmava que até mesmo o arrependimento é dom de Deus.[31]


Qualquer um que lê estes arminianos clássicos com uma hermenêutica de caridade ao invés de uma hermenêutica de suspeita e hostilidade não pode deixar de ver a sua centralidade em Deus ao enfatizar a absoluta dependência dos humanos da graça de Deus para tudo que é bom. Todos eles repetem essa máxima frequentemente e atribuem toda a salvação, desde o seu início até ao fim, à graça sobrenatural de Deus. É claro, muitos críticos reformados não ficarão satisfeitos com isso. Eles ainda dirão, como faz Boice, que se o pecador, ainda que capacitado pela graça preveniente, faz uma livre escolha de aceitar a misericórdia de Deus para salvação, isso é centralidade no homem ao invés de centralidade em Deus. Tudo o que posso dizer a esse respeito é que isso é ridículo. O ponto que Boice e outros críticos continuamente fazem é que no sistema arminiano a pessoa salva pode orgulhar-se porque ela não resistiu à graça de Deus enquanto as outras resistiram. Todos os teólogos arminianos, desde Armínio até Wesley e Wiley, têm apontado que uma pessoa que recebe um presente como a salvação de sua vida não pode vangloriar-se, se tudo o que ela fez foi aceitá-lo. Toda a glória por esse dom deve ir para o doador e não para o recebedor.


A segunda questão levantada pelos críticos do Arminianismo tem a ver com as alegadas limitações de Deus e a falta de soberania e poder. O presidente do Seminário Teológico Batista do Sul, Al Mohler, escreve em The Coming Evangelical Crisis que “O Deus arminiano, em última análise, não tem onisciência, onipotência e soberania transcendente”.[32] Eu argumento que esta acusação não tem peso algum. Qualquer um que lê Armínio ou seus fiéis seguidores, os arminianos clássicos, não pode sair com essa impressão. Todos enfatizam a soberania de Deus sobre a sua criação, incluindo a providência específica, e todos ressaltam o poder de Deus limitado apenas pela sua bondade. O que confundem os críticos reformados (e talvez outros) é o pressuposto arminiano subjacente da auto-limitação voluntária de Deus em relação à humanidade. No entanto, que Deus se limita a si mesmo de maneira nenhuma significa que ele é essencialmente limitado. De acordo com a teologia arminiana, Deus é soberano sobre a sua soberania e sua bondade condiciona o seu poder. Do contrário, ele seria pura e simplemente poder sem caráter. Como afirmei anteriormente, isso o tornaria indigno de adoração.


Vou começar, como fiz antes, com o próprio Armínio. O que ele acreditava sobre a soberania e o poder de Deus? Primeiro, ele corretamente apontava que, embora ele afirmasse o domínio absoluto de Deus sobre a criação, “A declaração de domínio não tem glória por si só, a menos que ele tenha sido devidamente utilizado”.[33] Em seus “Debates Privados” e seus “Debates Públicos”, Armínio fez um grande esforço para afirmar e apoiar o que é chamado de teísmo cristão clássico com todos os atributos tradicionais inerentes a ele, incluindo a onipotência e a soberania. Uma declaração mais forte a respeito dos atributos incomunicáveis de Deus não poderia ser encontrado em qualquer outro lugar. Quanto à soberania, Armínio confessou que “Satanás e os homens ímpios, não somente não podem realizar, mas, na verdade, não podem até mesmo começar alguma coisa, exceto pela permissão de Deus”.[34]


Até mesmo alguns arminianos podem considerar algumas das declarações de Armínio sobre a soberania de Deus perplexas, se não perturbadoras. Ele atribuía todo o poder a Deus e negava que qualquer criatura tivesse a capacidade de realizar alguma coisa, inclusive o mal, independentemente de Deus. Aos críticos que o acusavam de limitar a Deus e exaltar a autonomia humana, Armínio escreveu:


Eu abertamente reconheço que Deus é a causa de todas as ações que são perpetradas pelas criaturas. Porém, eu meramente exijo isso, que essa eficiência de Deus seja assim explicada de modo que nada, seja o que for, seja depreciado da liberdade da criatura, e que a culpa do próprio pecado não seja transferida a Deus: isto é, que possa ser demonstrado que Deus é de fato o causador do ato, no sentido que ele permite o próprio pecado, ou melhor, que Deus é, ao mesmo tempo, o causador e o que permite o mesmo ato.[35]


Esta é uma expressão da doutrina de Armínio a respeito da divina cooperação na qual a criatura não pode agir sem a permissão e ajuda de Deus. Deus quer que as suas criaturas tenham o livre-arbítrio e, portanto, deve relutantemente cooperar com as criaturas em seus atos pecaminosos, porque elas não podem agir independentemente dele. No entanto, ele não planeja, propõe ou torna certo qualquer pecado ou mal.


Para ainda mais explicar o ponto: Em sua “Uma Carta Dirigida a Hippolytus A Collibus”, Armínio fez um grande esforço para afirmar a soberania, o poder e o controle providencial divinos sobre a criação. Ele especula que foi acusado de manter “opiniões deturpadas a respeito da Providência de Deus” porque negava que “com relação ao decreto de Deus, Adão pecou necessariamente”.[36] Em outras palavras, ele rejeitava a visão típica calvinista de que Deus preordenou e tornou certo o pecado de Adão. Entretanto, ele asseverava que, apesar de sua rejeição da necessidade da queda de Adão, ele ensinou uma visão vigorosa e elevada da providência de Deus:


Eu muito solicitadamente evito duas causas de ofensa, – que Deus não seja proposto como o autor do pecado, – e que sua liberdade não seja retirada da vontade humana: Estes são dois pontos que, se alguém souber como evitá-los, refletirá sobre nenhum ato que eu não vou, nesse caso, muito alegremente reconhecer que seja atribuído à Providência de Deus, desde que uma justa consideração seja atribuída à divina preeminência.[37]


O que é absolutamente claro a partir do contexto é que sua insistência que a liberdade não seja retirada da vontade humana tem somente um único motivo – que Deus não seja proposto como o autor do pecado. Ele não tinha nenhum interesse secreto na autonomia humana ou no livre-arbítrio por sua própria causa. Sua centralidade em Deus girava em torno de dois focos: a bondade imaculada de Deus e a absoluta dependência da criatura de Deus para tudo que é bom. Estas não podem deixar de ser notadas, pois elas aparecem em quase todas as páginas de seus escritos.


E quanto à Confissão Arminiana de 1621, a declaração normativa da fé remonstrante após Armínio? Será que ela caiu na centralidade humana como afirmam os críticos? Em seu capítulo “Sobre a providência de Deus, ou sua preservação e o governo das coisas”, a Confissão assevera que “nada acontece em qualquer lugar do mundo inteiro voluvelmente ou por acaso, isto é, que Deus não saiba, ignora ou ociosamente o observa, e muito menos seja um mero expectador, e menos ainda seja completamente relutante, até mesmo a contragosto, e não esteja disposto a permiti-lo”.[38] A conclusão prática da doutrina da providência, a Confissão afirma, é que o verdadeiro crente “sempre dará graças a Deus na prosperidade, e além disso, no futuro... livre e continuamente depositará sua maior esperança em Deus, seu Pai mais fiel”.[39]


Quanto à onipotência de Deus, a Confissão diz que Deus “é onipotente, ou de poder invencível e insuperável, porque Ele pode fazer o que quer que deseja, não obstante todas as criaturas estarem indispostas. Na verdade, Ele sempre pode fazer mais do que ele realmente quer, e portanto pode simplesmente fazer o que quer que não implique em contradição, isto é, que não sejam necessariamente e de si mesmas repugnantes à verdade de certas coisas, nem à sua própria natureza divina”.[40] O que mais alguém pode exigir de uma doutrina da onipotência? Ah, sim... alguns críticos reformados podem e assim parecem exigir a omnicausalidade divina. O problema com isso, é claro, é que ela envolve Deus no mal. Novamente, o Deus no centro desse sistema não é digno de ser central a um sistema de crença que valoriza a virtude e a bondade. O fato é que as doutrinas da soberania e poder de Deus de Armínio e dos remonstrantes são tão elevadas e vigorosas quanto possíveis, exceto que elas tornam Deus o autor do pecado e do mal.


E quanto aos arminianos posteriores? Será que eles permaneceram fiéis a esta elevada doutrina da supremacia de Deus em e sobre todas as coisas? Enquanto afirmava tudo que Armínio e os primeiros remonstrantes ensinaram sobre a doutrina, incluindo o controle de Deus sobre todas as coisas na criação, Richard Watson corretamente advertiu que “a soberania de Deus é uma doutrina bíblica que ninguém pode negar; porém isso não significa que as noções que os homens aprazem formar dela devem ser recebidas como bíblicas”.[41] Por exemplo, ele afirma que Deus podia ter impedido a queda de Adão e todas as suas más consequências, mas considerou melhor permiti-la.[42] Que Deus meramente a permitiu e não a preordenou ou a causou é onde a doutrina da providência de Watson se distancia da visão reformada típica. No entanto, ele rejeita qualquer noção de que Deus seja de algum modo o autor do pecado como incompatível com a bondade de Deus.[43] O próprio fato que ele afirma que Deus poderia ter impedido a queda aponta para a sua forte visão da onipotência e soberania de Deus. Novamente, em Watson, vemos uma sutil, mas definitiva suposição da voluntária auto-limitação de Deus a fim de manter o Deus que se encontra no centro da teologia bom e digno de adoração.


O resultado de tudo isto até agora é que a teologia arminiana clássica não tem uma ênfase centrada no homem. A principal preocupação de Armínio não era elevar a humanidade ao mesmo nível de Deus ou superior a ele; ninguém pode lê-lo de forma justa e ter essa impressão. Sua principal preocupação era elevar a bondade de Deus ao mesmo nível ou até mesmo sobre o poder de Deus, sem diminuir em nada o poder de Deus. A forma que ele conseguiu isso foi por meio da ideia da voluntária auto-limitação divina – algo que ele em todos os lugares supõe e sugere sem expor explicitamente. O teólogo reformado Richard Mueller corretamente descobriu e trouxe à luz este elemento do pensamento de Armínio. Ele reconhece os dois igualmente importantes impulsos no pensamento de Armínio: o direito absoluto de Deus de exercer poder e controle e a livre limitação de Deus do poder para o bem da integridade da criação:


Tanto no ato da criação quanto no estabelecimento do pacto, Deus livremente se compromete com a criatura. Deus não é, em primeiro lugar, de alguma forma constrangido a criar, porém faz assim apenas por causa de sua própria livre inclinação para comunicar a sua bondade; nem é Deus, em segundo lugar, contrangido a oferecer qualquer coisa ao homem em troca de obediência, na medida em que o ato da criação implica um direito e um poder sobre a criatura. Apesar de tudo, em ambos os casos, o desempenho livre do ato resulta no estabelecimento de limites ao exercício do poder divino: admitindo o ato da criação, Deus não pode reprovar absolutamente e sem uma causa na criatura; admitindo o início do pacto, Deus não pode remover ou evitar suas promessas.[44]


O ponto é que toda e qualquer limitação do poder e controle soberano de Deus para dispor de suas criaturas como ele quer é auto-imposta, quer por sua natureza, quer por suas promessas do pacto. Isto dificilmente resulta em uma teologia centrada no homem! Na realidade, pode-se corretamente afirmar que certas doutrinas reformadas da necessidade da criação, incluindo a redenção e a condenação, para a completa manifestação dos atributos de Deus e plena exibição de sua glória resulta em uma teologia centrada na criação, que rouba Deus de sua liberdade e torna o mundo necessário para ele.


A terceira acusação feita contra o Arminianismo que alegadamente demonstra a sua centralidade no homem é o seu foco na felicidade e realização humana em detrimento da glória de Deus. Alguns teólogos reformados dizem que o Deus do Arminianismo é um Deus fraco e sentimental, que existe para servir às necessidades e desejos humanos, e que na teologia arminiana, o homem é glorificado às custas da glória de Deus. Isto nada mais é do que uma calúnia viciosa, que precisa ser exposta como tal. Isto pode ser verdadeiro de grande parte da religião popular americana, mas não tem nada a ver com a teologia arminiana clássica, na qual o fim principal de todas as coisas é a glória de Deus.


Como sempre, vou começar com o próprio Armínio. Qualquer um que lê os seus “Debates Privados”, “Debates Públicos” ou seus “Discursos” não pode negar que ele faz da glória de Deus o propósito supremo de tudo, incluindo a criação, a providência, a salvação, a Igreja e a consumação. Em seus “Debates Privados”, Armínio declarou claramente que Deus é a causa de toda bem-aventurança e que o “fim” da bem-aventurança é duplo: “(1.) uma demonstração da gloriosa sabedoria, bondade, justiça, poder e igualmente da perfeição universal de Deus; e (2.) sua glorificação pelos beatificados”.[45] Para que ninguém pense que ele torna Deus dependente da criação ou que a criação é necessária para Deus, Armínio declara em sua “Apologia ou Defesa” que tudo quanto Deus faz ad extra[46] é absolutamente livre – até mesmo sua auto-glorificação através da criação e da redenção: “Deus livremente decretou formar o mundo, e livremente o formou: E, neste sentido, todas as coisas são feitas de forma contingente em relação ao decreto divino; porque nenhuma necessidade existe por que o decreto de Deus deve ser apontado, uma vez que ele procede de sua própria pura e livre... vontade”[47] Em outras palavras, somente a crença de Armínio na liberdade libertária, tanto de Deus quanto das criaturas, protege a absoluta contingência e, portanto, a liberdade da criação. O que é mais glorioso? Um Deus que cria para glorificar a si mesmo de forma absolutamente livre ou um, como o Deus de Jonathan Edwards, que não pode fazer diferentemente do que faz?


É difícil saber de qual contexto citar as inúmeras afirmações de Armínio a respeito da glória de Deus como o fim principal de todas as suas obras. Aqui, entretanto, está um exemplo típico de seus “Debates Privados”, onde ele cobre todas as partes da teologia e quase sempre conclui que tudo no céu e na terra é para a glória de Deus. Esta afirmação tem a ver com a santificação, embora suas palavras sejam quase idênticas em relação à justificação e tudo mais que Deus faz. A santificação, Armínio declara, “é um ato gracioso de Deus... [que] o homem pode viver a vida de Deus, para louvor da justiça e da gloriosa graça de Deus....”[48] Em seguida, também, “O fim [propósito] é, que um homem crente, sendo consagrado a Deus como sacerdote e rei, deve servi-lo em novidade de vida, para a glória de seu divino nome....”[49] De forma similar, o “fim” da igreja é “a glória de Deus”[50] e o “fim” dos sacramentos é “a glória de Deus”[51] e “O principal fim [da adoração] é a glória de Deus e de Cristo....”[52] Nos seus “Debates Públicos”, Armínio repete o padrão de descrever tudo que é abençoado e bom como obra de Deus e seu fim ou propósito como a glória de Deus.


Anteriormente eu disse que Armínio quase sempre conclui que tudo no céu e na terra é para a glória de Deus. Há uma e somente uma exceção. Em sua discussão sobre o pecado, ele conclui, especificamente aqui no que diz respeito ao primeiro pecado, que “Não havia nenhum fim para este pecado”.[53] Tanto o homem que pecou quanto o diabo estabeleceram um fim ou propósito para o pecado, mas no final das contas o pecado não poderia ter um propósito que seria transportá-lo para a vontade de Deus que não o faria pecado. Pelo contrário, o primeiro pecado, como todo pecado, foi algo irracional e inexplicável – exceto pelo apelo ao abuso do homem do livre-arbítrio. No entanto, Deus tinha um fim em permiti-lo: “atos gloriosos a Deus, que possam surgir dele”.[54] Em outras palavras, enquanto o pecado não glorifica a Deus, a redenção dos pecadores o glorifica.


O tempo e o espaço proíbem um relato mais longo e detalhado da ênfase de Armínio na glória de Deus como o principal fim ou o propósito de todo bem na criação. Tudo que posso fazer é aconselhar aos céticos a lerem os seus “Discursos” em suas Obras, Volume I, onde ele constantemente repete o refrão para “a glória de Deus e a salvação dos homens”. Para que ninguém pense que ele coloca dois fins no mesmo nível de importância, ele diz no Discurso II que toda salvação tem o único propósito de que “possamos cantar louvores a Deus eternamente”.[55]


Não se encontra nenhuma sugestão em Armínio de alguma preocupação com a autonomia humana por sua própria causa. A única razão de Armínio para afirmar o livre-arbítrio libertário é desconectar o pecado de Deus e tornar o pecador o único responsável por ele. Sua única preocupação prioritária é com a glória de Deus em todas as coisas. Não pode haver dúvida de que ele concordaria de todo coração com a resposta à primeira pergunta do Breve Catecismo de Westminster: “Qual é o fim principal do homem?” “O fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”.


O tempo me proíbe de ensaiar uma longa descrição das afirmações arminianas da glória de Deus depois de Armínio. É suficiente dizer que todos os arminianos clássicos sempre concordaram com Armínio sobre este assunto. Eu desafio os críticos do Armininismo a mostrarem um exemplo de um teólogo arminiano clássico que tem elevado a humanidade a um fim em si mesmo ou de algum forma transformado a glória do homem no fim principal de Deus. Isso não existe.


Concluo com essa observação. A diferença entre as teologias arminiana e calvinista não está na centralidade do homem versus a centralidade em Deus. O verdadeiro Arminianismo é tão completamente centrado em Deus quanto o Calvinismo. Uma leitura justa dos teólogos arminianos clássicos, de Armínio a Thomas Oden, não pode deixar de encontrar neles uma ressonante confirmação da centralidade em Deus de toda a criação e redenção. A diferença, ao invés disso, se encontra na natureza e no caráter do Deus que está no centro desses dois sistemas. O Deus que está no centro do Calvinismo clássico e extremado, tipificado pela TULIP, é um ser moralmente ambíguo em poder e controle, que dificilmente se distingue do diabo. O diabo quer que todas as pessoas vão para o inferno enquanto que o Deus do Calvinismo quer que algumas pessoas, talvez a maioria, vão para o inferno. O diabo é o instrumento de Deus para causar destruição e terror no mundo – para a glória de Deus. O Deus que está no centro do Arminianismo clássico é o Deus de Jesus Cristo, cheio de amor e compaixão, bem como justiça e ira, que voluntariamente limita o seu poder para permitir a rebelião da criatura, mas é, não obstante, a fonte de todo bem, para cuja glória e honra tudo existe, exceto o pecado.


Fonte: http://www.rogereolson.com/2010/11/28/arminianism-is-god-centered-theology/

Tradução: Cloves Rocha dos Santos






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[1] Nota do tradutor: A Modern Reformation (Reforma Moderna) é uma revista bimensal, de confissão reformada, especializada em teologia, apologética e assuntos culturais. Seu endereço na Internet é: http://www.modernreformation.org/

[2] Nota do tradutor: Modern Reformation (Refoma Moderna), maio/junho, 1992, volume 1, Edição 3, cujo tema da edição é o Arminianismo e o índice inclui: Who Saves Whom? (Quem Salva Quem?), por Michael S. Horton; Unconditional Election: An Interview with J. I. Packer (Eleição Incondicional: Uma entrevista com J. I. Parker); Who Was Arminius? (Quem era Armínio?), por W. Robert Godfrey; Fire & Water (Fogo & Água), por Kim Riddlebarger; A Lutheran Response to Arminianism (Uma Resposta Luterana ao Arminianismo), por Rick Ritchie; Evangelical Arminians (Arminianos Evangélicos), por Michael S. Horton; Are You Sure You Like Spurgeon? (Você Tem Certeza que Gosta de Spurgeon?), por Alan Maben. (Fonte: http://www.modernreformation.org/default.php?page=issuedisplay&var1=IssRead&var2=58)

[3] Idem, página 18.

[4] Idem, página 16.

[5] Idem, página 23.

[6] Idem, página 12.

[7] Idem, página 21.

[8] James Montgomery Boice, Whatever Happened to the Gospel of Grace? (O que Aconteceu ao Evangelho da Graça?), Crossway, 2001, 168.

[9] Idem, 167.

[10] Sung Wook Chung. “The Arminian Captivity of the Modern Evangelical Church” (O Cativeiro Arminiano da Moderna Igreja Evangélica) Life Under the Big Top (A Vida Sob a Tenda de Circo), jan/fev 1995, páginas 2-3.

[11] The Coming Evangelical Crisis: Current Challenges to Authority of Scripture and the Gospel (A Iminente Crise Evangélica: Desafios Atuais à Autoridade da Escritura e do Evangelho), John H. Armstrong, editor, Moody Publishers, 1997, 34.

[12] Idem, 63.

[13] Richard Mueller, God, Creation and Providence in the Thought of Jacob Arminius (Deus, a Criação e a Providência no Pensamento de Tiago Armínio), Baker, 1991, 233.

[14] Idem, 233.

[15] Nota do tradutor: Gulag (do russo ГУЛАГ: Главное управление исправительно-трудовых лагерей и колоний; transliteração: Glavnoye upravleniye ispravitelno-trudovykh lagerey i kolonij; em português: “Administração Geral dos Campos de Trabalho Correcional e Colônias”) era um sistema de campos de trabalhos forçados para criminosos e presos políticos da União Soviética. Este sistema funcionou de 1918 até 1956. Foram aprisionadas milhões de pessoas, muitas delas vítimas das perseguições de Stalin. O gulag tornou-se um símbolo da repressão da ditadura de Stalin. Na verdade, as condições de trabalho nos campos eram bastante penosas e incluíam fome, frio, trabalho intensivo de características próximas da escravatura (por exemplo, horário de trabalho excessivo) e guardiões desumanos. Floresceram durante o regime stalinista da URSS, estendendo-se a regiões como a Sibéria e a Ucrânia, por exemplo, e destinavam-se, na verdade, a silenciar e torturar opositores ao regime. Embora muitas vezes comparado aos campos de concentração nazistas, os motivos que presidiram à construção de ambos são bastante diferentes: para os gulags, as motivações eram tanto a punição por crimes comuns (roubo, estupro, etc.) como também aos adversários políticos do stalinismo, enquanto para os campos de concentração a motivação era predominantemente racial, com vista ao extermínio. No entanto, o número de vítimas, nuns e noutros, continua a ser motivo para uma comparação quantitativa. A Coreia do Norte, considerada o último Estado stalinista, mantém campos de trabalhos forçados muito semelhantes, muitas vezes chamados também de gulags. Segundo dados soviéticos morreram no gulag 1.053.829 pessoas entre 1934 e 1953, excluindo mortos em colônias de trabalho. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gulag).

[16] David Bentley Hart, The Doors of the Sea (As Portas do Mar), (Eerdmans, 2005), 99.

[17] Nota do Tradutor: O hedonismo (do grego hedonê, “prazer”, “vontade”) é uma teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser o prazer o supremo bem da vida humana. Surgiu na Grécia, e importantes representantes foram Aristipo de Cirene e Epicuro. O hedonismo filosófico moderno procura fundamentar-se numa concepção mais ampla de prazer, entendida como felicidade para o maior número de pessoas. O significado do termo em linguagem comum, bastante diverso do significado original, surgiu no iluminismo e designa uma atitude de vida voltada para a busca egoísta de prazeres materiais. Com esse sentido, “hedonismo” é usado de maneira pejorativa, visto normalmente como sinal de decadência. A referência de Olson ao “hedonismo cristão” de Piper, é claro, é uma crítica à visão distorcida de Piper em relação ao que “fundamenta” a glorificação de Deus. Piper, seguindo a linha calvinista, parece fundamentar a sua posição no Voluntarismo Divino (uma coisa é certa para Deus porque essa é a Sua vontade). Olson parece fundamentar a sua posição no Essencialismo Divino (uma coisa é certa para Deus porque essa é a sua verdadeira natureza – ela é certa porque é realmente certa). (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hedonismo)

[18] James Arminius, “Declaration of Sentiments” (Declaração de Sentimentos), em The Works of James Arminius, Volume I, página 623.

[19] Idem, 630.

[20] John Wesley, The Works of John Wesley, Volume III, página 555.

[21] Idem, 555.

[22] The Works of John Wesley, Vol. X: Letters, Essays, Dialogs and Addresses (As Obras de John Wesley, Volume X: Cartas, Diálogos e Abordagens), (Zondervan, sem data), 221.

[23] Notas do editor aos “Twenty-five Public Disputations” (Vinte e Cinco Debates Públicos), em The Works of James Arminius (As Obras de Tiago Arminio), Volume II, página 189.

[24] Idem, página 192.

[25] Idem, página 194.

[26] Idem, página 195.

[27] Tiago Armínio, The Works of James Arminius (As Obras de Tiago Armínio), Volume II, páginas 700-701.

[28] Confissão 5.6 em The Arminian Confession of 1621 (A Confissão Arminiana de 1621). Tradução de Mark A. Ellis (Wipf & Stock, 2005), 56.

[29] Idem, 68-69.

[30] Nota do Tradutor: As expressões “arminianos da cabeça” e “arminianos do coração” foram introduzidas na literatura teológica, pela primeira vez, em 1983, pelo teólogo reformado Alan Philip Frederick Sell, através do seu livro The Great Debate: Calvinism, Arminianism and Salvation (O Grande Debate: Calvinismo, Arminianismo e a Salvação) (Baker, 1983), que se tornaram amplamente conhecidas através do próprio Roger E. Olson, no seu livro Arminian Theology: Myths and Realities (Teologia Arminiana: Mitos e Realidades) (IVP, 2006), p. 17. Alan Philip Frederick Sell, que nasceu em 15 de novembro de 1935, foi anteriormente professor de Doutrina Cristã e Filosofia da Religião na Faculdade Teológica United, em Aberystwyth (País de Gales). Ele tem escrito nas áreas de filosofia, teologia, ética, história e ocupou cargos de liderança nas principais organizações ecumênicas, tais como a Aliança Mundial das Igrejas Reformadas. (Fonte: http://www.theopedia.com/Alan_P._F._Sell).

[31] Richard Watson, Theological Institutes (Institutas Teológicas), Lane & Scott, 1851, 99.

[32] The Coming Evangelical Crisis: Current Challenges to Authority of Scripture and the Gospel (A Iminente Crise Evangélica: Desafios Atuais à Autoridade da Escritura e do Evangelho), Edição de John H. Armstrong, Moody Publishers, 1997, 34.

[33] Tiago Armínio, “Examination of the Theses of Dr. Franciscus Gomarus Respecting Predestination” (Exame das Teses do Dr. Francisco Gomarus a Respeito da Predestinação), em The Works of James Arminius (As Obras de Tiago Armínio), Volume III, página 632.

[34] Tiago Armínio, “Examination of Dr. Perkins’s Pamphlet on Predestination” (Exame do Panfleto sobre a Predestinação do Dr. Perkins), em The Works of James Arminius (As Obras de Tiago Armínio), Volume III, página 369.

[35] Idem, 415.

[36] Tiago Armínio, The Works of James Arminius (As Obras de Tiago Armínio), Volume II, página 698.

[37] Idem, 697-698.

[38] The Arminian Confession of 1621 (A Confissão Arminiana de 1621), Tradução e edição de Mark A. Ellis, Wipf & Stock, 2005, 63.

[39] Idem, 63.

[40] Idem, 48.

[41] Richard Watson, Theological Institutes (Institutas Teológicas), Lane & Scott, 1851, 442.

[42] Idem, 435.

[43] Idem, 429.

[44] Richard Mueller, God, Creation and Providence in the Thought of Jacob Arminius (Deus, a Criação e a Providência no Pensamento de Tiago Armínio, Baker, 1991, 243.

[45] Tiago Armínio, The Works of James Arminius (As Obras de Tiago Armínio), Volume II, página 321.

[46] Nota do tradutor: Ad extra é uma locução ou expressão latina que se refere a um movimento transcendente e significa para fora; por fora; exteriormente. Ou seja, Deus externa, exterioriza ou “põe pra fora” o seu desejo ou vontade transcendente em criar. (Fonte: http://www.hkocher.info/minha_pagina/dicionario/a04.htm)

[47] Tiago Armínio, The Works of James Arminius (As Obras de Tiago Armínio), Volume I, página 758.

[48] Tiago Armínio, The Works of James Arminius (As Obras de Tiago Armínio), Volume II, página 408.

[49] Idem, 409.

[50] Idem, 412.

[51] Idem, 436.

[52] Idem, 447.


[53] Idem, 373.

[54] Idem.

[55] Tiago Armínio, The Works of James Arminius (As Obras de Tiago Armínio), Volume I, página 372.



2 comentários:

  1. É sempre bom ouvir o que a Palavra de Deus diz, não o que os homens dizem. E por isso gostaria de compartilhar a leitura dos seguintes textos bíblicos, que certamente você já os conhece, e também muitos outros versos e capítulos inteiros que os confirmam e apoiam. São os seguintes:

    Salmo (14)
    Isaias (41:8-9), (65:9)
    Jeremias (13:23)
    Malaquias (1:2)
    João (1:10-13), (2:23-25), (3:16,18-21), (13:18), (15:16,19), (17:9,12,24)
    Romanos (8:5), (8:26-30), (9:11), (9:13,16), (11:17)
    2Tessalonicenses (2:12-13)
    Efésios (1:4-11)
    1Pedro (1:2)
    2Pedro (1:10)
    Apocalipse (17:14)
    Mateus (22:1-14)

    (Efésios 2:4-5,8) – “Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), [...] Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus.”

    Por isso a eleição, predestinação não depende do homem, pois como diz a Escritura todos estão mortos, ninguém jamais viu algum morto escolher viver, assim como ninguém escolhe nascer. Mas Deus EM AMOR (não por imposição) nos constrange pelo Espírito (sendo vivificados por ele) para crer, e esse dom também vem de Deus.
    Realmente, espero que o Senhor ilumine o coração dos homens para que sejam ressuscitados para a glória de Deus Pai e do Cordeiro. Abraço. A paz de Cristo Jesus.

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  2. Olá meu irmão em Cristo, sim você tem razão eu conheço muito bem esses textos e creio não somente neles como em seus contextos e em toda a Escritura. Saiba amigo que tanto eu quanto qualquer outro verdadeiro Arminiano, crê que a eleição em Cristo é toda ela dependente da vontade de Deus, inclusive suas condições!!!

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